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A invenção da roda

2016 
Qual o futuro das maquinas? E o presente? Pode-se dizer que as maquinas servem para acelerar a velocidade, encurtar o espaco, captar imagens e para uma infinidade de outras coisas. tao fundamentais quanto banais, como copiar uma chave no chaveiro da esquina. Esse objetos costumam ser dotados de uma invisibilidade proporcional a sua utilidade. Quando superados por modelos mais eficazes, ai sim, passam para o mundo das coisas visiveis - e inuteis- exemplares de um tempo tecnologicamente ultrapassado. Partindo dessa ideia, me pergunto sobre o lugar das maquinas que Leticia Ramos vem desenvolvendo nos ultimos anos e que agora sao mostrados em Porto Alegre, ao lado de fotografias e desenhos. (Nao por acaso, no Museu do Trabalho, lugar que agriga, alem de mostras de arte contemporânea, um acervo de maquinas que fizeram parte da industrializacao do Estado). As maquinas que a artista constroi ja nascem, paradoxalmente, no futuro das maquinas, que e esse momento em que elas sao percebidas como parte da historia de determidado oficio. Claro, sao construidas no contexto da arte e por isso ja nascem para o museu, para serem vistas. Assim, a obsolescencia desses objetos nao decorre de uma superacao no sentido tecnologico, nao podem ser ultrapassados pois nao pretendem superar nada. Ao mesmo tempo, em um primeiro olhar, parecem totalmente desnecessarias - como se Leticia estivesse reinventando a roda - pois ja existem equipamentos fotograficos e filmicos com as mais elaboradas capacidades. Diante disso, o que se percebe e que estas maquinas estao aqui, no nosso mundo, porque ligam-se profundamente com o prazer e apenas rapidamente com a utilidade. Sao objetos que nascem para uma imagem especifica, repletos de construcoes mentais e suposicoes sobre o desconhecido. Literatura, ficcao cientifica, laboratorio do Franjinha (da turma da Monica) surgem como referencias de lugares em que inventar a roda e tao fundamental como a roda em si. Isso porque, talvez, nem mesmo o prazer seja melhor do que o prazer da busca pelo prazer. As câmeras apresentadas nesta exposicao, ERBF, POLAR e ESCAFANDRO foram projetadas entre 2007 e 2012, cada qual para uma imagem especifica. Sao objetos construidos a partir de outros, filmadora 35mm, câmeras Polaroid e câmeras subaquaticas sao, simultaneamente, as bases dessas maquinas. Dominadas por uma atmosfera nostalgica, essas câmeras, assim como as fotografias e filmes de Leticia presentes na mostra, nos falam de um tempo preterito, analogico, em que as distâncias ainda eram percorridas por yerra ou agua. Um tempo em que captar uma imagem era algo proximo do extraordinario, chegar em outro lugar tambem. Mas nostalgia nao e o mesmo que saudosismo. Portanto, nestas obras, nao ha um lamento velhaco do progresso e das suas velocidades estonteantes. O que ha e um deleite proprio dos inventores e exploradores - de ontem ou de hoje. Curiosos e obstinados, em suas oficinas, laboratorios ou computadores, estes sujeitos possuem um brilho no olhar capaz de nos convencer de que suas engenhocas irao funcionar. Isso quando nem eles estao de fato muito preocupados com isso, ja que, talvez, importe mais mais a busca do que o encontro. Alem desse objetos, tambem faz parte da mostra um projeto de projetor de filmes desenvolvido especialmente para uma maquina do acervo do Museu do Trabalho. Elaborado a partir de um armario de secagem de filmes 35mm, este desenho aproxi ma-nos um pouco do processo de trabalho da artista. Atraves dele podemos ver que, do contato com este objeto, surge uma outra maquina que se vale das limitacoes e especificidades da original para recuperar, ainda que brevemente, uma utilidade. Mas uma utilidade nao mais para a industria cinematografica, e sim para o deleite magico e sempre singular das imagens em movimento. Ou seja, a partir de objetos ou da imaginacao de determinados pontos de vista - como na câmera ESCAFANDRO - Leticia projeta câmeras, invertendo o principio tradicional da historia das imagens, em que as câmeras filmadoras e fotograficas geram historias visuais. Assumir essa reviravolta, essa logica invertida, como partido, favorece a construcao de uma especie de ficcao cientifica do passado. Com isso, as nocoes que temos de “novo” ou de “obsoleto” tambem nao sao mais precisas e solicitam serem reexaminadas. As fotografias, objetos e desenhos de Leticia Ramos convidam o espectador para uma viagem ao universo da artista - um universo que combina um futuro e um passado desconhecidos, povoado de fantasias, com um elemento concreto, a construcao de maquinas para a apreensao de imagens. De certa forma, a bussola criativa de Leticia condensa dois polos que outrora formavam uma dicotomia: a imaginacao e o conhecimento.
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