AS MODERNIZAÇÕES E SEUS OUTROS: DEMOLIÇÕES, RUÍNAS, TABULAS RASAS E REPRESENTAÇÕES DO PASSADO NAS CIDADES BRASILEIRAS

2020 
Nao existem processos modernizadores que nao produzam subprodutos. Esta sentenca explicita o que esta Sessao Livre intenta discutir. Embora faca parte da critica sobre as operacoes urbanas levadas a cabo ao longo da Era Moderna, os processos de arruinamento, de demolicao, de desconsideracao das pre-existencias citadinas e de representacoes desmerecedoras das configuracoes urbanas previas as propostas de intervencao urbanas ainda sao timidamente abordadas pelos historiadores e criticos urbanos. Dentro de certa linha historiografica partilhada por inumeros colegas, os projetos urbanos e arquitetonicos sao vistos em “chave positiva”, incorrendo em uma escrita da historia das cidades que supostamente e evolucionista e, alem, decorrente de um processo de amadurecimento profissional. E corriqueiro, entao, que dimensoes atreladas as modificacoes espaciais que se historiam sejam vistas como desimportantes ou ate mesmo inexistentes. Nos ultimos tempos, tem sido possivel encontrar bibliografia da area da arquitetura, do urbanismo e da historia urbana que tem se despertado ao debate dos subprodutos das grandes interferencias modernizadoras. Tal qual explicitado no titulo desta sessao tematica, estamos comecando a tratar das modernizacoes espaciais e de seus “outros”: demolicoes intencionais, celebracao de ruinas e estabelecimento de processos de arruinamento; enunciacao de tabulas rasas em sitios com longa tradicao de ocupacao e, tambem, de investigacoes acerca de representacoes imageticas e literarias de grande potencia de convencimento, de maneira a despertar uma pauta de adesao aos “grandes trabalhos” de alteracao do espaco. Uma das obras recentes que trata desta questao e a do arquiteto e historiador estadunidense Daniel Abramson (2016). Seu livro Obsolescence : an architectural history explora como a Ilha de Manhattan, na cidade de Nova York, foi transformada em um continuo canteiro de obras nas primeiras decadas do seculo XX, decretando, com suporte da imprensa e apelo comercial, a obsolescencia de predios que contavam com 10, 15 anos de inauguracao. Este mote da substituicao de estruturas espaciais recentes ou outras mais “dignas” dos tempos modernos encontra eco em muitos lugares ao redor do globo, e com grande proporcao nas cidades brasileiras, que nesta sessao procuramos investigar. Desta maneira, o grupo de investigadores aqui reunidos tem, desde a ultima decada, se debrucado sobre dimensoes do universo propositivo da arquitetura e do urbanismo nacional, e se colocando a tarefa de le-lo a contrapelo , conforme a precisa e poetica expressao de Walter Benjamin (BENJAMIN, 1994, p.225). A historia escovada a contrapelo, para Benjamin, permite nao apenas a percepcao das dimensoes constituintes dos processos culturais, mas, em especial, ancora na escrita da historia as estruturas fundamentais que estao escondidas na narrativa da superficie dos eventos. Assim, o trabalho 1 da sessao lida com uma das perguntas mais dificeis da compreensao dos processos investigativos do grupo ao enunciar que “a ruina compoe o cotidiano das cidades e da rede de significacoes que constroi a historia, a memoria e a identidade cultural. Mas, o que e uma ruina?” Como resposta, o trabalho mostra como concomitantemente a formacao do IPHAN, a ideia de ruina passou a ser mobilizada como fundamental para a compreensao da seara do que valeria a pena ser mantido no rol dos bens patrimoniais. O trabalho 2 desenvolve a discussao sobre as ruinas nos processos de modernizacao das cidades brasileiras e procura mostrar como o “processo de construcao das nocoes de moderno e progresso assim como dos valores e sensibilidades sobre a paisagem construida herdada poderia encontrar lugar”  em um pais “novo”, onde tudo estava “por se fazer, como muitos intelectuais e tecnicos defendiam no inicio do seculo XX”. Curiosamente, o trabalho 3 , dedicado a compreensao da Igreja de Nossa Senhora dos Remedios, em Sao Paulo, nos revela como o templo de origem colonial, e de grande relevância cultural para a cidade de Sao Paulo, por ter sido vinculado aos movimentos abolicionistas, foi descartado pela administracao Prestes Maia, embora estivesse coeso e solido,  por estar, literalmente, no eixo viario de seu complexo de avenidas. Com indicacao, por Mario de Andrade, para compor o universo de bens a ser tombado em Sao Paulo, a igreja foi divulgada como necessaria ao progresso da cidade, mas nao mediante a sua manutencao, e, sim, por meio de sua demolicao . Esta tematica e explorada tambem pelo trabalho 4 dedicado a compreensao da cidade do Recife nos primeiros tempos do seculo XX. Analisando as escolhas politicas, divulgadas como tecnicas, o trabalho debate as demolicoes efetuadas no Recife, “por outro ângulo, enfatizando o que foi varrido ‘pela tempestade do progresso”, e procurando mostrar que os grandes arrasamentos, que foram silenciados na historia da localidade causaram criticas densas, que agora sao recuperadas. O trabalho 5 , abordando tambem o Recife, mostra como aquela cidade substituiu estruturas fundamentais para sua dinâmica urbana – as pontes – divulgando esses processos de modificacao a luz da tecnica. Esta dimensao, imperativa para a consolidacao dos discursos acerca dos melhoramentos urbanos, apartava ou pelo menos intentava apaziguar os ânimos da sociedade na avaliacao das “obras de arte” por serem fruto de especialistas. A ideia de cultura tecnica, entao, que o trabalho aborda, e fundamental para compreender as muitas faces das modernizacoes e seus discursos. Por fim, o trabalho 6 explora para a decada de 1970 a expansao da especulacao imobiliaria na Zona Sul carioca, ao abordar o episodio complexo de demolicao do Solar Monjope, edificacao neocolonial que em processo de tombamento, teve seu rito patrimonial sustado pelo regime civil-militar, de forma que se construissem torres de alto padrao habitacional. Manifestacoes sociais, verificadas em entidades de classe e em pessoas interessadas na area levaram a medidas protetivas que, se nao impediram a demolicao da casa, garantiram a instauracao da preservacao do verde, revelando, talvez, o fim de um discurso verificado nos trabalhos acima, por outro, que instaura uma nova fase dos atos modernizadores no pais em tempos de redemocratizacao. REFERENCIAS ABRAMSON, Daniel. Obsolescence : an architectural history. Chicago: The University of Chicago Press, 2016. BENJAMIN, Walter. Magia e tecnica, arte e politica: ensaios sobre a literatura e a historia da cultura. 7a. Ed. Sao Paulo: Brasiliense, 1994.
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