Trabalho em tempos de Covid-19: orientações para a saúde e segurança
2020
Ao final de 2019 comecaram a chegar noticias, vindas do oriente, que davam conta do surgimento de um novo virus
que, naquele momento, parecia concentrado na China e que nao conseguiu despertar grandes preocupacoes entre o publico em geral, muito embora estivesse na mira de profissionais de saude, de forma destacada infectologistas e epidemiologistas. Estava ali o inicio de uma pandemia, denominada de Covid-19, reconhecida como doenca espiratoria gerada pelo novo coronavirus (Sars-CoV-2), que em menos de seis meses tornou-se presente em todos os rincoes do mundo.
A nova epidemia vinha se somar a outras que tiveram reverberacoes nas configuracoes em saude e nos diferentes contextos sociais onde surgiram e se propagaram. Os seculos 20 e 21 foram povoados por epidemias, ora
localizadas, ora mais disseminadas, assumindo caracteristicas pandemicas, que resultaram em diferentes numeros de afetados
e de mortos.
Ha aproximadamente cem anos vivia-se a experiencia devastadora da chamada “gripe espanhola”, que segundo dados do Centro americano para Controle e Prevencao de Doencas (CDC), provocou a morte de 50 milhoes de pessoas entre 1918 e 1919, em suas diferentes ondas de restricoes e retorno a convivencia coletiva, apos iniciativas precarias de isolamento social.
O CDC cita ainda duas grandes epidemias no decorrer do seculo anterior – Gripe Asiatica (1957-1958) e Gripe de Hong Kong (1968-1970) – com numeros de mortos que superavam 1 milhao de pessoas. Ainda no seculo 20 cabe destaque especial a epidemia da AIDS, que teve inicio no principio dos anos de 1980 e ainda hoje, a despeito de todo avanco do tratamento antirretrovirais, seguem causando mortos, chegando a numeros aproximados, informados pela UNAIDS (orgao da ONU dedicado ao enfrentamento da AIDS), de 35 milhoes, entre mais de 78 milhoes
de afetados em todo o mundo.
O seculo 21 teve em suas duas primeiras decadas, importantes eventos epidemicos, talvez nao tao fatais quanto aqueles experimentados no seculo anterior, mas que geraram preocupacoes significativas em setores da saude, da politica e da economia, pelos riscos que representavam – Sindrome Respiratoria Aguda Grave (SARS), Gripe Aviaria, Gripe A H1N1 e Ebola. Os contextos onde se deram tais ocorrencias – espacialmente e temporalmente – reverberaram de formas distintas, nao so nos aspectos que as desencadearam, mas tambem na experimentacao dos fenomenos em curso e nas possiveis consequencias deles advindas. O presente livro se propoe a ser, exatamente, uma analise de um processo em curso. Essa caracteristica impede, no entanto, certo distanciamento historico para uma posterior analise, a proposta e falar de diferentes dimensoes no presente, quando
os delineamentos ainda nao estao firmes. Os capitulos que aqui estao registrados tratam de fenomenos experimentados no exato momento onde ocorrem. Sua estrutura, tal como pensada pelos organizadores,
esta disposta a partir de tres grandes matrizes. Na primeira delas, temas gerais, onde a propria doenca (o “d” de covid) assume o lugar de figura, sao trazidas colaboracoes sobre as formas de transmissao, medidas de prevencao, equipamentos de protecao de individual, cuidados com possiveis disseminacoes, propostas de vigilância, dentre outras. A segunda, relativa a temas especificos, aborda diferentes reverberacoes em atividades
profissionais direta ou indiretamente vinculadas ao campo da saude, e que guardam relacao com a reconfiguracao das acoes demandadas pela a atencao com a pandemia. Por fim, a terceira matriz – acoes de cuidado e autocuidado para os trabalhadores - guarda relacao direta com as acoes de cuidado, tanto de si,
como direcionado ao outro, visando a um melhor enfrentamento
das condicoes geradas pelo sofrimento psiquico advindo com a emergencia da pandemia. Os textos aqui organizados, retratam um mosaico de diferentes disciplinas e experiencias, congregados a partir da
contribuicao de aproximadamente 66 autores. Mesmo em se tratando de dominios ja abordados, em alguns casos, os textos ganharam uma nova perspectiva a partir da convocacao ao posicionamento diante de um fenomeno que tem como perfil basico a reconstituicao de uma serie delineamentos gerados pela crise desencadeada pela Covid-19. A gestalt que emerge dessa confluencia de diferentes visoes, tem como principal referente a compreensao do fenomeno trabalho, dai a justificativa do seu titulo: Trabalho em tempos de covid-19: orientacoes para a
saude e a seguranca. E exatamente o trabalho, reconhecido como atividade ontologica dos seres humanos, que viabiliza a aproximacao e da sentido a articulacao presente neste livro. E a partir do trabalho que se pode compreender tambem, a luz das premissas neoliberais, uma reducao cada vez mais perceptivel da capacidade
de resposta das sociedades contemporâneas as epidemias, uma vez que sua propria transformacao implica uma necessidade de readaptacao a novas formas de vivencia-lo. O que esta delineado nas paginas a seguir, demonstra em sua primeira parte a analise da atividade feita pelo proprio trabalhador, que a implementa num momento de rara excepcionalidade, dada a dimensao e intensificacao promovida pela Covid-19 e que demandou uma readequacao no agir desses trabalhadores. Na sequencia sao os aspectos especificos e diferenciados de distintas areas as que cobram relevo, demandando uma nova organizacao de trabalho. Por fim, ganha destaque tambem, a implicacao subjetiva que reconfigura o sentido vivenciado por cada trabalhador na emergencia de uma perspectiva que ultrapassa os limites da prescricao e o confronta com o real da sua atividade.
O empenho dos organizadores do livro nao se da sem risco. Produzir ou compilar conhecimento, no momento onde o fenomeno em foco se da, e algo temerario, mas nao deixa de ser louvavel, exatamente porque viabiliza faze-lo ao calor da emocao de quem o produz. Nao somos defensores da neutralidade cientifica, por isso valorizamos sobremaneira a possibilidade de revisao do conhecimento que e construido, mas valorizamos ainda
mais a implicacao do trabalhador com sua atividade e e isso que o que aqui esta relatado traz de mais nobre.
Aqui repousam os desafios de apreensao e revisao constante dos saberes produzidos. Os textos nao estao, portanto, dissociados do contexto de sua producao. No momento onde o trabalho e os trabalhadores sao cobrados a se readaptar diante dos desafios impostos pela pandemia, traduzi-los em palavras e atribuir sentidos e uma experiencia enriquecedora. Dar voz a quem realiza a atividade e propiciador de saude e, sem duvidas, e o que permite dar inicio a reacao a fragilizacao das politicas de protecao ao trabalhador e de desregulamentacao dos mercados de trabalho. A tendencia observada nos ultimos anos em reduzir os servicos basicos voltados ao bem-estar da populacao – saude, educacao, trabalho -, capitaneada por um movimento globalizado que privilegia o ideario neoliberal, foi de certa forma desmascarado. Isso nao quer dizer que reverteremos, como num passe de magica, essa tendencia, mas ao viabilizarmos um espaco de fala para os que vivenciam essa realidade de forma direta – como os trabalhadores e investigadores que aqui explicitam seu cotidiano laboral e suas pautas investigativas – e
um passo importante para desvelarmos a realidade e criarmos resistencia a uma “naturalizacao” de interesses que privilegiam os poucos, de sempre.
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