O ABORTO E O SERVIÇO SOCIAL: REFLEXÕES SOBRE UM CONFLITO ÉTICO ATUAL

2018 
O presente texto traz reflexoes sobre o aborto enquanto tema de interesse da sociedade e, portanto, tambem de alta relevância para a pratica profissional de assistentes sociais ja que estes compoem uma categoria que atua tambem nos espacos e servicos onde mulheres que passam por esta situacao sao (ou deveriam ser) atendidas. As ponderacoes aqui contidas levam em consideracao que o tema pode ser compreendido, do ponto de vista da moral, a partir de tres perspectivas: conservadora, liberal e emancipatoria. A compreensao de como se desenvolve o pensamento dentro de tais perspectivas sera debatido ao longo do texto. Alem disso, este texto traz elementos referentes ao que existe na seara do direito e das legislacoes sobre esse tema, bem como a efetivacao e os retrocessos que ocorrem. Desta forma o presente trabalho se da como resultado do debate acumulado em sala de aula juntamente com as pesquisas realizadas sobre o tema durante o curso da disciplina de Etica em Servico Social do terceiro periodo matutino da Faculdade de Servico Social (FSSO) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Quando pensamos no tema “aborto” e na descriminalizacao do mesmo, logo vem ao pensamento, varios posicionamentos tanto das correntes contrarias quanto daquelas que sao a favor, no entanto, perceptivelmente ha uma delas cuja voz soa mais alto, e aquela que se pronuncia pela boca do senso comum, das pessoas que convivemos no dia a dia e que consideram que “nao tem coracao a mulher que faz uma coisa dessas”. De inicio ja e possivel perceber uma problematica em tal consideracao: e sempre da mulher a culpa. No entanto, antes de afirmar aqui qualquer posicionamento sobre essa questao, vamos pensar sobre as tres perspectivas: a) para a moral conservadora (tradicional) na qual se baseia a Igreja Catolica, o aborto e considerado errado (pecado) uma vez que “a mulher foi criada para gerar vida” entao nao tem o direito de se negar a cumprir tal papel em hipotese alguma; b) para a moral liberal (burguesa), que se baseia na argumentacao cientifica levando em conta apenas a dimensao biologica do ser humano, existem diferentes visoes sobre o questionamento de quando tem inicio a vida, desde a concepcao que afirma que a vida se inicia na fertilizacao passando por variacoes de percepcao ate outra que afirma que o desenvolvimento da crianca e um processo continuo que nao tem um marco inicial, de forma que dentro do debate na moral liberal ha quem se posicione contra e tambem a favor da descriminalizacao do aborto; c) para a moral emancipatoria (socialista) o debate vai alem da esfera biologica do ser humano, o aborto, enquanto problema que atinge a vida das mulheres, merece ser enxergado em sua complexidade levando em conta tambem os fatores socioeconomicos e culturais que permeiam esta problematica, de maneira que o entendimento dentro desta perspectiva e de que o aborto nao deve ser criminalizado, mas reconhecido como problema de saude publica. O tema, enquanto fato social, na realidade apresenta uma proporcao que necessita de atencao e proposicoes na busca de resolucao. Embora o aborto seja um acontecimento na vida de mulheres de diferentes classes sociais, as maiores taxas ainda ocorrem entre mulheres de baixa escolaridade e renda, pretas, pardas e indigenas. Isso nos mostra a importância de contextualizar esse tema num recorte de classe, uma vez que as mulheres em situacao de pobreza recorrem ao aborto clandestino, de maneira que ocorre dentre estas uma grande taxa de complicacoes pos-aborto que acabam em internacoes hospitalares e por vezes ate mesmo em morte. O que ha atualmente enquanto garantia na lei sao duas situacoes estabelecidas dentro do Artigo 128 do Codigo Penal onde e considerada permitida a realizacao do procedimento do aborto sem punicao para os profissionais de saude envolvidos ou para a mulher: I) nao houver outro meio de salvar a vida da gestante; II) se a gravidez for resultante de estupro e o aborto for consentido pela mulher ou quando esta for incapaz, pelo seu representante legal. Alem disso, ocorrem algumas excecoes admitidas em decisoes judiciais no caso de malformacao fetal que impossibilite a vida extrauterina. As referidas possibilidades de realizacao de um procedimento de aborto minimamente seguro (que nao coloque a vida da mulher em risco) sao extremamente limitadas e ainda tem sofridos serios ataques no sentido de serem mesmo exterminadas. O Projeto de Lei (PL) 478 de 2007 propoe o Estatuto do Nascituro que, entre outras coisas, visa transformar o aborto em crime hediondo. Entao, alem continuar criminalizando o procedimento ainda avanca no sentido de torna-lo um crime considerado ainda mais severo e, portanto, ainda mais passivel de punicao perante a justica. A Proposta de Emenda a Constituicao (PEC) 164 de 2012, apresentada pelo entao Deputado Eduardo Cunha (PMDB) trata da “inviolabilidade do direito a vida desde a concepcao”, claramente trazendo nocao baseada na juncao das concepcoes conservadora e liberal, no intuito de criminalizar o aborto seja qual a for a circunstância da mulher que o praticar. Por outro lado, existem tambem entidades como o Conselho Federal de Servico Social (CFESS) que propoem outro debate acerca do tema, nao alavancando a concepcao conservadora ou ainda a liberal, mas sim buscando um horizonte emancipatorio no sentido de buscar garantir a mulher o direito sobre seu proprio corpo e de decisao sobre sua propria vida. Assim, o posicionamento do CFESS e de se colocar do lado favoravel a luta pela descriminalizacao do aborto, entendendo que os profissionais desta area devem apresentar um compromisso etico e politico com os principios democraticos que norteiam a profissao, e tomando sempre como base a liberdade como valor etico central. Diante dos elementos expostos, e possivel entender que o aborto e um fato social que acontece independe da vontade das pessoas que se encontram exteriores ao problema, portanto mesmo existindo as correntes que lutem para torna-lo cada vez mais abominavel e castigavel, ele continuara existindo ainda de que forma clandestina e colocando a vida de tantas mulheres (principalmente das classes subalternas) em situacoes arriscadas. Portanto, merece ser enxergado nao como situacao individualizada, mas sim conectada com a totalidade da realidade onde acontece, de forma que se torne um problema encarado como de saude coletiva e que precisa de medidas efetivas para trata-lo como tal, e nao de mais punicao para as mulheres que ja sao culpabilizadas de tantas formas dentro da sociedade capitalista patriarcal. Se comecarmos a encarar o aborto como problema de saude coletiva e nao mais como ato passivel de condenacao moral, podemos entender a necessidade tanto de descriminaliza-lo (para que as mulheres que precisem passar por isso nao sejam punidas sob o amparo da lei) quanto da criacao de politicas publicas e programas que trabalhem para promover a disseminacao de informacoes de qualidade e de forma efetiva sobre os metodos de contracepcao (que tambem vale lembrar nao garantem com 100% de certeza que uma gravidez nao possa acontecer) e de planejamento familiar, alem da garantia ao atendimento seguro e digno na rede publica do sistema unico de saude (SUS) para estas mulheres que necessitarem a ele recorrer. A luta pela descriminalizacao do aborto e uma pauta nao so imediata, mas urgente, que precisa ser tocada para buscar garantir a vida de mulheres e o direito delas a decidir pelo proprio corpo e pela propria vida sem que sejam consideradas criminosas por isso.
    • Correction
    • Source
    • Cite
    • Save
    • Machine Reading By IdeaReader
    0
    References
    0
    Citations
    NaN
    KQI
    []