Bioprospecção, conhecimentos e sociedades tradicionais: a (in)suficiência dos princípios do consentimento prévio informado e da repartição de benefícios enquanto pressupostos jurídicos para a conservação da sociobiodiversidade

2014 
Diante da chamada "Era do Acesso" o conhecimento tradicional associado a biodiversidade das sociedades tradicionais tornou-se uma verdadeira materia-prima da industria biotecnologica, sendo objeto de bioprospeccao e direitos de propriedade intelectual por empresas alimenticias, farmaceuticas e entidades de pesquisa e desenvolvimento. Com base nos principios do consentimento previo informado e da reparticao justa e equitativa dos beneficios, previstos na Convencao de Diversidade Biologica e na Medida Provisoria 2.186-16, devem os interessados na bioprospeccao do saber tradicional ser autorizados pelos seus detentores, assim como dividir os beneficios oriundos dos bioprodutos e das pesquisas desenvolvidas. Entretanto, no que pertine a reparticao de beneficios, esta pode acarretar a imposicao de valores privados e de cunho capitalista, causando riscos a dinâmica social e as praticas culturais dessas comunidades, as quais sao construidas sob valores coletivos e comunitarios. A partir desta constatacao, o presente trabalho pretende analisar em que medida os principios do consentimento previo informado e da reparticao de beneficios sao capazes de promover a conservacao dos bens socioambientais das sociedades tradicionais, quando os produtos desenvolvidos tem como base os conhecimentos tradicionais associados. Para tanto, a pesquisa utiliza quanto ao metodo de abordagem o dialetico, com objetivo exploratorio, mediante uma pesquisa bibliografica e documental, a partir de uma perspectiva interdisciplinar. Mesmo diante de uma regulamentacao internacional e nacional, industria e pesquisadores se utilizam constantemente de discursos que pretendem desproteger o saber tradicional e legitimar a nao obtencao e realizacao do consentimento previo informado e da reparticao de beneficios. Em razao das peculiaridades das sociedades tradicionais, as quais se autodeterminam em aspectos coletivos, comunitarios e de solidariedade, estas possuem uma cultura diferenciada, pelo que o conhecimento tradicional associado a biodiversidade integra a sua diversidade cultural. Diante dessa diversidade e a sua relacao com o meio ambiente, os movimentos sociais na America Latina e no Brasil, influenciaram a incorporacao de direitos na Constituicao Federal de 1988, fazendo surgir a sociobiodiversidade como nova categoria juridica. Com a logica capitalista e de desenvolvimento da industria biotecnologica, a qual nao considera os aspectos da sociobiodiversidade, um dialogo intercultural e uma gestao da inovacao biotecnologica mostram-se um caminho para gerenciar a complexidade e as diferentes visoes dos atores envolvidos na pratica bioprospectiva do saber tradicional, inserindo os direitos socioambientais nesse contexto. A partir da constatacao da existencia de outros pressupostos juridicos para bioprospeccao, como os principios da precaucao, equidade intergeracional e da funcao social da propriedade, critica-se o consentimento previo informado e a reparticao de beneficios, demonstrando que o atendimento destes deve ser feito em harmonia com os demais pressupostos juridicos existentes, de maneira a ser possivel conservar a sociobiodiversidade das sociedades tradicionais, garantindo o seu uso sustentavel e a manutencao de suas vidas. Sugere-se, nesse fio condutor, criterios a serem considerados quando da definicao dos beneficios e sua reparticao: 1) os aspectos da sociobiodiversidade dos grupos tradicionais, a partir dos valores, praticas culturais e organizacoes sociais; 2) o meio ambiente onde vivem esses grupos e onde sera acessado o recurso genetico da biodiversidade; 3) requerimento e concessao de patentes e de quaisquer beneficios de forma compartilhada com as sociedades tradicionais.
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