Efeitos benéficos da oxigenoterapia no desempenho no exercício e na hemodinâmica pulmonar em doentes com DPOC e hipoxemia ligeira

2003 
RESUMO Os beneficios obtidos pela oxigenoterapia de longa duracao (OLD) em doentes com DPOC e hipoxemia em repouso (PaO 2 inferior a 60 mmHg) estao bem documentados por inumeros estudos. Nestes doentes a OLD prolonga a so-brevida, reduz o numero de internamentos e o desenvolvimento de hipertensao pulmonar secundaria, melhora a capacidade para realizar as actividades da vida diaria e promove a melhoria da qualidade de vida relacionada com a saude. Nao esta contudo claramente estabelecido se a oxigenoterapia e benefica em doentes com DPOC e hipoxemia ligeira a moderada. Alguns estudos demonstraram que a administracao de oxigenio durante o exercicio resultou na melhoria da tolerância ao esforco e na reducao da dispneia em alguns doentes com DPOC e hipoxemia ligeira em repouso. Nao ficou claro qual o tipo de doentes com DPOC que mais beneficiara desta terapeutica. Neste trabalho os autores estudaram os efeitos da oxigenoterapia na capacidade para o exercicio e na hemodinâmica pulmonar durante o esforco em doentes com DPOC com hipoxemia ligeira (PaO 2 superior a 60 mmHg) e normocapnia em repouso e obstrucao bronquica ligeira a grave. Estudaram 75 doentes do sexo masculino, dos quais 16 tinham obstrucao bronquica ligeira (FEV 1 > 50 % do teorico), 25 tinham obstrucao bronquica moderada (FEV 1 : 35-50 % do teorico) e 34 tinham obstrucao bronquica grave (FEV 1  ≤ 50 % do teorico). A capacidade para o exercicio foi avaliada atraves da prova de marcha de 6 minutos. O estudo da hemodinâmica pulmonar (pressao da arteria pulmonar, pressao de oclusao da arteria pulmonar, pressao da auricula direita e debito cardiaco) foi realizada em 43 doentes, atraves da cateterizacao de uma veia antecubital com cateter de Swan-Ganz, enquanto estes doentes realizavam uma prova de esforco com carga constante de 25 watts em cicloergometro em posicao supina. Para ambos os modos de exercicio (prova de marcha e prova de carga constante em cicloergometro) foi administrado oxigenio suplementar ou ar comprimido a 2 litros por minuto. Obtiveram os seguintes resultados: A administracao de oxigenio durante a prova de marcha resultou num aumento significativo da distância percorrida em todos os grupos de doentes sendo significativamente superior nos doentes com obstrucao moderada a grave e nos doentes que apresentaram maior dessaturacao durante a prova de marcha sob ar comprimido. Durante a prova de carga constante em cicloergometro verificaram um aumento significativo da pressao da arteria pulmonar (PAP), da pressao de oclusao da arteria pulmonar (POAP) e do indice cardiaco em todos os grupos de doentes e da resistencia vascular pulmonar (RVP) no grupo de doentes graves. A administracao de oxigenio durante o exercicio promoveu uma atenuacao significativa no aumento da PAP e da POAP e inibiu completamente o aumento da RVP. A reducao da POAP durante o exercicio sob oxigenio correlacionou-se positivamente com o indice de air-trapping (diferenca entre a capacidade vital — VC — e a capacidade vital forcada — FVC). Os autores sugerem que a administracao de oxigenio durante o exercicio e benefica em doentes com DPOC com obstrucao moderada a grave. Estes beneficios traduziram-se numa melhoria do desempenho no esforco e reducao da hipertensao pulmonar durante o exercicio, mesmo nos doentes que em repouso ou durante o exercicio evidenciaram apenas uma hipoxemia ligeira. COMENTARIO Este estudo foi o primeiro a demonstrar que a administracao de oxigenio pode melhorar a tolerância ao esforco em doentes com DPOC sem hipoxemia significativa em repouso ou durante o exercicio. Sao varios os mecanismos apontados para a melhoria da tolerância ao esforco como resultado da administracao de oxigenio: o alivio da dispneia, a prevencao da dessaturacao durante o exercicio, a melhoria da hemodinâmica pulmonar, a reducao da ventilacao e, consequentemente, da hiperinsuflacao pulmonar dinâmica, e a melhoria do transporte e entrega de oxigenio aos tecidos, promovendo o metabolismo oxidativo ao nivel dos musculos respiratorios e dos musculos perifericos durante o exercicio 1 −6 . O’Donnell et al 1,3 sugerem que o alivio da dispneia e a melhoria da tolerância ao exercicio com a administracao de oxigenio podem ser explicadas pela reducao da ventilacao e consequentemente pela reducao da hiperinsuflacao dinâmica, em particular nos doentes que sao relativamente normoxemicos em repouso. Somfay et al 7 demonstraram recentemente que o suplemento de oxigenio reduziu significativamente os scores de dispneia, a hiperinsuflacao dinâmica (avaliada indirectamente pela medicao dinâmica da capacidade inspiratoria), a ventilacao e a frequencia respiratoria durante o exercicio em doentes nao hipoxemicos com DPOC grave. A melhoria observada na capacidade para o exercicio correlacionou-se com a reducao da hiperinsuflacao dinâmica. Esta ocorre em doentes com DPOC com obstrucao grave das vias aereas e hiperinsuflacao pulmonar avaliada em repouso, tem um efeito mecânico deleterio sobre os musculos respiratorios, contribui para a sensacao de dispneia e limita a capacidade para o exercicio 2,8 . Desta forma, e de esperar que os efeitos do oxigenio sejam mais evidentes em doentes com obstrucao grave das vias aereas. Quanto ao efeito do oxigenio na dinâmica vascular pulmonar, com reducao do incremento da pressao da arteria pulmonar durante o exercicio, pode ser explicado pela reducao da vasoconstricao hipoxica. Por outro lado, a reducao da pressao de oclusao da arteria pulmonar (POAP) com o oxigenio leva a reducao da pressao da arteria pulmonar nos doentes com DPOC moderada a grave e a POAP correlaciona-se positivamente com o indice de air-trapping (VC-FVC), sugerindo que a reducao da hiperinsuflacao dinâmica devido a supressao da ventilacao pelo oxigenio pode resultar na reducao da POAP. Este estudo baseou-se nos efeitos “agudos” da administracao de oxigenio sobre a hemodinâmica pulmonar e a capacidade para o exercicio. Mas torna-se importante avaliar os efeitos a longo prazo da oxigenoterapia. Zielinski et al 9 estudou o efeito da OLD na hemodinâmica pulmonar num grupo de 95 doentes com DPOC ao longo de seis anos e verificou que a OLD administrada 14 a 15 horas por dia, resultou numa pequena reducao da hipertensao pulmonar ao fim de dois anos, seguindo-se um retorno aos valores iniciais com estabilizacao subsequente ate ao final do estudo. A estabilizacao da hipertensao pulmonar ocorreu apesar do agravamento progressivo da limitacao do debito das vias aereas e da acentuacao da hipoxemia. Quanto ao efeito da oxigenoterapia a longo prazo sobre a capacidade para o exercicio, em particular em programas de reabilitacao, existem poucos estudos que documentem o seu efeito. Teoricamente o oxigenio permite treinar os individuos com cargas mais elevadas ou permitir maior duracao do treino, o que ira melhorar a capacidade aerobica e atingir niveis mais eficazes de treino. Este pressuposto tem implicado que grande parte dos programas de reabilitacao com treino ao exercicio em doentes com DPOC que dessaturam com o esforco, tem sido realizado sob oxigenoterapia. Dois estudos recentes (Garrod et al 4 e Rooyakers JM et al 10 ) demonstraram que o oxigenio suplementar nao revelou beneficios significativos durante a reabilitacao em doentes que dessaturavam com o esforco. No primeiro 4 verificou-se uma reducao significativa da dispneia no grupo que recebeu oxigenio, embora nao se tenha verificado um aumento significativo da capacidade para o exercicio. No segundo estudo 10 , os doentes tinham indicacao para suspender o exercicio logo que a saturacao de oxigenio atingisse os 90 %, pelo que nao foi avaliada ate que ponto os doentes dessaturavam com o exercicio. Estes estudos envolveram um pequeno numero de doentes, o que pode revelar-se insuficiente para detectar beneficios significativos, sendo necessarios estudos mais alargados para responder a esta questao.
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