OS SENTIDOS ATRIBUÍDOS PELOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE À MATERNIDADE HIV+ E SUAS IMPLICAÇÕES NA CONSTRUÇÃO DO CUIDADO

2012 
OS SENTIDOS ATRIBUIDOS PELOS PROFISSIONAIS DE SAUDE A MATERNIDADE HIV+ E SUAS IMPLICACOES NA CONSTRUCAO DO CUIDADO[1] COSTA, Gilney.[2] SAMPAIO, Juliana.[3] RIBEIRO, Marcelo Silva de Souza.[4] INTRODUCAO: Qualquer construcao que se faca em torno das experiencias das pessoas com HIV/AIDS ha que se considerar que este e um fenomeno, sobretudo, social, ou seja, em torno dele se forjam discursos, praticas e politicas, nem sempre consensuados. No caso das mulheres com HIV/AIDS, tais producoes se atrelam, ainda, as construcoes sociais sobre o feminino, que centradas na maternidade, interferem na garantia dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. OBJETIVOS E METODOS: Esse trabalho discute as implicacoes dos sentidos da maternidade HIV+ produzidos por profissionais de saude na construcao do cuidado junto as mulheres com HIV, mais especificamente na promocao de sua saude sexual e reprodutiva. Trata-se de um estudo exploratorio, de abordagem qualitativa (Minayo, 2010), que teve como marco teorico-metodologico as praticas discursivas (Spink, 2004; Spink e Medrado, 2004) e as teorias de genero (Scott, 1995), buscando compreender como se articulam os aspectos simbolicos e materiais, no âmbito dos direitos sexuais e reprodutivos de mulheres com HIV. Os resultados produzidos em 30 horas de observacao do cotidiano de dois servicos de referencia em IST/HIV/AIDS de Petrolina-PE e Juazeiro-BA e em 8 entrevistas semi-estruturadas com profissionais de nivel superior (2 enfermeiras, 2 farmaceuticas, 1 psicologa, 1 medico infectologista, 1 medico pediatrico e 1 assistente social) foram tratados a partir da analise de conteudo tematica (Bardin, 2004). RESULTADOS: Os resultados indicam que os discursos dos profissionais legitimam o binomio mulher-mae (Moura e Araujo, 2004), que, no contexto HIV+, se amplia na triade mulher-mae-boa paciente (Barbosa, 2001; Adam e Herlizch, 2001), ratificando que uma boa mae deve seguir fielmente o protocolo biomedico, para assegurar, nao somente sua saude, mas, sobretudo, a de sua prole, conformando as perspectivas historicas da (re)producao social: procriar “filhos sadios”. Assim, o papel social da mulher, como observado nos discursos dos profissionais, fica refinado pelo valor de responsabilidade da maternidade, cabendo a ela o desempenho de “boa mae” centrada na abnegacao feminina. (…) Tem horas que a gente fica assustada nao por elas serem maes. Elas tem todo direito. Elas sao pra ter o bebe delas, que ja faz parte da natureza da mulher ser mae. Mas nessa questao, tem que ter responsabilidade pra evitar que um inocente ter uma doenca dessas, que nao tem nada haver com a irresponsabilidade dos pais. (Profissional 6). Esses julgamentos perpassam a conduta de paciente-mae, na medida em que sua dificuldade em aderir ao tratamento, nao sao devidamente problematizadas, sendo por vezes compreendida como irresponsabilidade, propria de uma mae-ma e nao de uma pessoa que precisa de cuidados. Tem algumas maes que nao ligam, (…) que tem criancas que toma o coquetel e que nao fazem, na verdade nao tem adesao como deveria ter de ta pegando a medicacao todo mes… tudo direireitinho. Entao, eu acho que na verdade a mae nem se ama, porque se faz isso com o filho, nao se ama. (Profissional 4) No que se refere aos direitos reprodutivos das mulheres com HIV+, os discursos dos profissionais se reduzem a sua possibilidade de engravidar. Ja os direitos sexuais referem-se exclusivamente a liberdade dessas exercerem praticas homoeroticas. Em suas narrativas, os profissionais pontuam o carater universal desses direitos, que em tese alcam a homens e mulheres. Os direitos reprodutivos ta bem claro, e o desejo da pessoa ter… planejar a sua prole, (…) tanto de homens quanto mulheres, terem filhos serem pais mesmo sendo HIV positivo (…) E com relacao aos direitos sexuais, vamos dizer assim, das opcoes das pessoas expressarem sua sexualidade mais feliz. (Profissional 3). Direitos sexuais eu acho com relacao a pessoa ser homossexual (…). (Profissional 4) Ademais, as narrativas sobre a profilaxia da transmissao vertical (TV), ao justificarem a possibilidade da gravidez HIV+ com baixos riscos para o bebe, mantem a centralidade da maternidade nas historicas producoes sociais sobre o feminino, e consequentemente o uso do corpo, assim como fundamentam as ideologias e praticas contrarias ao abortamento/aborto. Eu vejo a maternidade delas como algo natural… A gente esta aqui pra apoia-las na decisao delas pra instrui-las dos riscos que elas correm, quando elas ja sabem que tem o virus, mas tambem da possibilidade que elas tem de fazer o tratamento e diminuir esse risco, e tambem da possibilidade de se ela tiver tao gritante essa maternidade, essa vontade de ter filhos, a possibilidade tambem de adocao (…) (Profissional 8). As narrativas sobre aborto sao pautadas por valores morais, religiosos, e, sobretudo, ideologicos que fundamentam a oposicao dos profissionais de saude frente a decisao da mulher de interromper sua gravidez. Impera nas discursividades dos profissionais dos servicos uma metafora de vida em defesa da crianca, a partir da qual falar em aborto equivale a metaforizar a morte, contrariando os principios biomedicos que organizam os servicos. A gente sempre trabalha independente da situacao para preservar a vida. Entao, a atitude minha enquanto [profissional] e da formacao que eu tive, na epoca em que fui formado e sempre lutar contra o aborto, (…) exceto naquelas situacoes em que estao regulamentadas pelo Conselho Federal de Medicina e pelo Codigo Penal Brasileiro (Profissional 3). Embora, os profissionais reconhecam a importância de respeitar a decisao da mulher frente a essa pratica – aborto/abortamento –, o posicionamento final, em qualquer situacao, e o de tentar convence-la a desistir da interrupcao da gravidez. Corroborando com Adesse (2006), percebe-se que os valores, que tangenciam a interrupcao da gravidez, tem colaborado, de sobremodo, para ofuscar sua amplitude no campo clinico e da saude publica. CONSIDERACOES: O tema HIV/AIDS associado a maternidade e polemico e delicado. Os discursos dos profissionais nao deixam duvidas quanto ao comprometimento com a qualidade do cuidado, embora o cotidiano desses servicos seja marcado por dilemas entre posturas humanizadas, eticas e tecnicas. E fato que o cuidado integral e humanizado no contexto da maternidade HIV+ demanda profissionais de saude capazes de refletir sobre sua pratica cotidiana junto aos usuarios/usuarias. Por outro lado, os profissionais dependem tambem de outros tantos fatores como processos de trabalhos instituidos, redes de servicos organizadas, politicas priorizadas, dentre outros. Tais resultados apontam, ainda, a necessidade de fomentar debates sobre iniquidades de genero, que possibilitem o cuidado integral que alcancem as demandas singulares das mulheres soropositivas, em seu amplo exercicio dos direitos sexuais e reprodutivos. Assim, advogamos na crenca e na esperanca de novas compreensoes e caminhos a serem trilhados coletivamente, na construcao de uma sociedade mais justa, humana e solidaria para as mulheres e para as pessoas vivendo com HIV/AIDS. REFERENCIAS: Adam P, Herzlich C. Sociologia da doenca e da medicina. Sao Paulo: Edusc, 2001. Adesse L. Assistencia a mulher em abortamento: a necessaria revisao de praticas de ma conduta, preconceito e abuso. IN: Deslandes SF, organizadora. Humanizacao dos cuidados em saude: conceitos, dilemas e praticas. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006. Barbosa RHS. Mulheres, reproducao e AIDS: as tramas da ideologia na assistencia a saude de gestantes HIV+ [tese]. Rio de Janeiro: Fundacao Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saude Publica, 2001. [acesso em: 10 de fev. 2011]. Disponivel em: http: //portalteses.icict.fiocruz.br/transf.php?script=thes_chap&id=00006701&lng=pt&nrm=iso. Bardin L. Analise de conteudo. 3 ed. Lisboa: Ed. 70, 2004. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: a pesquisa qualitativa em saude. 12 ed. Sao Paulo: Hucitec, 2010. Scott JW. Genero: uma categoria util para a analise historica. Educacao e realidade [periodico online] 1995. [acesso em: 15 fev 2011]. Disponivel em: http: //s3.amazonaws.com/files.posterous.com/musadesastrada/toxbpezmr4ocbywrri74eqvuffbtx8td8p1xgbipd4hrvo0xschhwtklry99/joan_scott_genero.pdf?awsaccesskeyid=akiajfzae65uyrt34aoq&expires=1321692281&signature=wc%2fcolbkhh28n%2fgll9wevyb5f4c%3d. Spink MJ, Medrado B. Producao de sentidos no cotidiano: uma abordagem teorico metodologica para analise das praticas discursivas. IN: Spink MJ, organizadora. Praticas discursivas e producao dos sentidos no cotidiano: aproximacoes teoricas e metdologicas. Sao Paulo: Cortez, 2004. Spink MJ. Praticas discursivas e producao de sentidos no cotidiano: aproximacoes teoricas e metodologicas. Sao Paulo: Cortez, 2004. [1] O trabalho e inedito e foi aprovado junto ao Comite de Etica em Estudos Humanos e Animais (CEEHA) da Universidade Federal do Vale do Sao Francisco (UNIVASF), protocolo 0031/270611. [2] Bacharel em Psicologia com enfase em processos clinicos e saude coletiva pela Universidade Federal do Vale do Sao Francisco (UNIVASF), gilney.costa@yahoo.com.br. [3] Psicologa, Doutora em Saude Coletiva professora adjunta da Universidade Federal da Paraiba (UFPB), julianasmp@hotmail.com. [4] Psicologo, Mestre em Educacao em Pesquisa professor adjunto da Universidade Federal do Vale do Sao Francisco (UNIVASF). mribeiro272527@hotmail.com.
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