Práticas culturais/tradicionais indígenas em contexto de cidade e sua relação com a promoção de saúde e bem-estar
2017
A Psicologia Social ha muito tem se dedicado em construir planos de atuacao profissional pautados em um compromisso social, etico e politico, nos contextos reais da America Latina, direcionados as comunidades e camadas populares. O estado do Amazonas e reconhecido pela existencia expressiva de povos indigenas, contando com a migracao desses as cidades. Considerando estes apontamentos, este trabalho se refere as atividades de um projeto de extensao realizadas na comunidade indigena Sol Nascente, estabelecida em uma area de ocupacao na cidade de Manaus. A comunidade e considerada plurietnica, composta por moradores indigenas de 12 etnias, e tambem nao-indigenas. Considerando a importância de aspectos como saude e bem-estar, neste trabalho pretendemos refletir sobre estas categorias atreladas as praticas culturais, objetivando ponderar suas inter-relacoes. Para isso, fora utilizada a metodologia de Pesquisa Acao Participativa, propondo a integracao entre teoria e pratica, e articulando pesquisa, extensao e intervencao. O intuito e permitir a implicacao de agentes internos e externos que compoem a comunidade, incorporando saberes cientificos aos populares na resolucao de problematicas. O projeto foi desenvolvido a partir de visitas semanais a comunidade, utilizando como recursos de obtencao de dados entrevistas, conversas informais e reunioes com moradores e lideres comunitarios. A partir disto, foi possivel perceber que pessoas indigenas apos sairem de suas bases de origem e migrar a cidade passam por um processo de adaptacao a cultura deste novo contexto. Em decorrencia disso, muitas vezes deixam de realizar suas praticas culturais/tradicionais. Perceber as exiguas praticas sociais e culturais indigenas dessa comunidade permitiu-nos ponderar que muitos moradores indigenas vivenciam um processo de reconformacao identitaria. Por meio deste, eles agregam modos de vida urbanizados, subtraindo praticas tradicionalmente indigenas, exclusivamente com o intuito de afastar-se das vivencias negativas promovidas pela identificacao etnica. Foi possivel indicar que as praticas culturais, apos a insercao de pessoas indigenas em contexto de cidade, se tornaram menos frequentes, demonstrando a importância de refletir sobre a vivencia indigena em espacos coletivos citadinos. Identificamos tambem a influencia das religioes na repressao das tradicoes e simbolos da cultura indigena na comunidade. Algumas igrejas exercitam discursos que demonizam praticas tradicionais indigenas, como a realizacao de rituais e a utilizacao de aderecos. Em relatos dos moradores, sobretudo os que ainda se reconhecem e se autoafirmam indigenas, identificamos que um dos fatores que colaboram para a afirmacao identitaria sao a manutencao de sua cosmologia, de seus mitos e rituais. Neste sentido, a inibicao de habitos e culturas espirituais, que cerceiam a vivencia dos povos indigenas, podem decorrer em agravos principalmente relacionados a efetivacao do bem-estar psicossocial e afirmacao identitaria, que inclusive colabora com as vivencias negativas que perpassam a reconformacao. Considerando o indice de bem-estar para povos tradicionais, citados por alguns autores e que contem cinco categorias, ha mencao a dimensao “gerenciamento cultural autonomo”, o qual identificamos que nao e exercido plenamente. Tal dimensao expressa a possibilidade de colocar a propria comunidade como protagonista na aplicacao de seus saberes e praticas, e tambem se refere as estrategias de comunicacao no repasse destes, atraves das geracoes. Sao tres indicadores: a) auto reconhecimento etnico , como um elemento atrelado diretamente a composicao da cultura; b) participacao popular em praticas culturais estrategicas , que considera a vigencia de praticas tradicionais, levando em conta a quantidade de cerimonias, festas e outros exercicios tradicionais, o envolvimento da comunidade e o significado atribuido; c) diversidade comunicacional , atraves do bilinguismo, desempenhada pela capacidade de falar a lingua materna e a lingua nacional, garantindo a pluralidade das relacoes e do lugar. Observando estes aspectos, percebemos que o autorreconhecimento etnico e a efetivacao de praticas tradicionais atraves de cerimonias sao dimensoes prejudicadas principalmente pelos diversos estereotipos e estigmas que acompanham a nocao de ser indigena ha muitos anos, bem como o atrelamento de seus rituais a condutas malignas e nocivas. A pluralidade linguistica aparece afetada por fatores estruturais e financeiros. A comunidade desenvolve a educacao bilingue atraves do ensino do nheengatu, no entanto, as atividades estavam paralisadas pela falta de material escolar para os alunos (criancas, jovens e adultos), e tambem pelas condicoes do local das aulas, um espaco aberto, passivel de circunstâncias naturais como sol, ventos e chuvas. Tendo em vista estes criterios, a situacao atual da comunidade pode indicar uma experiencia opressiva de suas praticas tradicionais, corroborando com a desestabilizacao da saude e de seu bem-estar psicossocial. Todos estes aspectos – sobretudo os de dimensao interativa – tem colaborado com um intenso processo de conflitos intra e intercomunitarios, uma vez que muitas dessas problematicas sao corroboradas pela interferencia da sociedade envolvente nao-indigena, nas praticas culturais indigenas. Como resultado das intervencoes comunitarias realizadas pela equipe do projeto de extensao, fora idealizado, em parceria com os moradores, um dia de celebracao intitulado pelos proprios comunitarios de “encontro de etnias”. Estimulando a autonomia da comunidade, grande parte das atividades foi organizada e promovida pela lideranca e moradores. Assim, esta celebracao contou com a presenca de vendedoras de artesanatos indigenas, bebidas e comidas tradicionais (caxiri, pororoca, peixes assados e cozidos feitos coletivamente), e atraves do convite de grupos indigenas de outras etnias e assentamentos da cidade, foram realizadas apresentacoes de dancas tradicionais, e grupos de canto. Isto posto, consideramos que a intervencao promovida atraves do projeto de extensao impulsionou – mesmo parcialmente – o desenvolvimento de aspectos de gerenciamento cultural autonomo, essencial a manutencao do bem-estar. Portanto, de acordo com a realidade desta comunidade percebemos que seus moradores nao tem experienciado elementos primordiais a efetivacao de sua qualidade de vida, em um lugar que nao os permite legitimar seus aspectos culturais tradicionais. A intervencao possibilitou, mesmo de forma fragmentada, exercitar um nivel importante na promocao do bem-estar. Contudo, ponderamos que principalmente as condicoes interativas de moradores indigenas e nao-indigenas, alicerca-se ainda em praticas colonialistas, que colocam em supremacia caracteristicas eurocentricas, ignorando toda a historicidade etnica destes povos. Esta entao em pauta a reflexao de como estas condicoes colaboram com a invisibilidade dos povos indigenas na cidade e, especialmente, na construcao de um espaco relacional que nao auxilia na promocao de bem-estar. Assim, este projeto de extensao nos permitiu colocar em questao as condicoes interativas dos povos indigenas desta comunidade, dando a devida importância aos aspectos culturais, etnico-raciais e psicossociais. Consideramos, portanto, essa tematica relevante para os estudos em saude que tangem as populacoes indigenas, sobretudo em contexto de cidade, ponderando os determinantes sociais para a promocao da qualidade de vida destes povos.
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